O PORVIR DO PASSADO [aula referente ao dia 29 de agosto de 2013]
Nesta aula questionamos/analisamos o texto "O porvir do passado" da obra "Culturas Híbridas" de Néstor García Canclini.
Canclini |
Então... este capítulo ele questiona "como o sentido
histórico intervém na constituição de agentes centrais para a continuação de
identidades modernas, como as escolas e os museus, qual é o papel de ritos e de
comemorações na renovação da hegemonia política."
Fundamentalistas e modernizadores frente ao patrimônio histórico
Esse conjunto de bens e práticas tradicionais que nos
identificam como nação ou como povo é apreciado como um dom, algo que recebemos
do passado como tal prestígio simbólico que não cabe discuti-lo. (pag160)
Por isso mesmo, o patrimônio é o lugar onde melhor sobrevive
hoje a ideologia dos setores oligárquicos, quer dizer, o tradicionalismo
substancialista. (pag160)
O confronto dessa ideologia com o desenvolvimento moderno -
desde a industrialização e massificação das sociedades européias nos séculos
XVIII e XIX - resultou em uma metafísica, aistórica, do "ser
nacional", cujas manifestações superiores, procedentes de uma origem
mítica, só existitiram hoje nos objetos que a rememoram. (pag161)
O interesse contemporâneo do patrimônio tradicional residiria em benefícios "espirituais" difíceis de ponderar, mas de cuja permanência dependeria a saúde presente dos povos. Frente às "catástrofes" da modernização , das novas tecnologias e das cidades anônimas, o campo e suas tradições representarão a última esperança de "redenção". (pag161)
A teatralização do poder
Diferentemente das análises habituais sobre ideologia, que
explicam a organização do sentido social através da produção e circulação
das ideias, pretendendo deter-me principalmente na construção visual e cênica
da significação. (pag162)
A teatralização da vida cotidiana e do poder começou a ser
estudada há poucos anos por interacionistas simbólicos e por estruturalistas,
mas antes tinha sido reconhecida por escritores e filósofos que viram nela um
ingrediente fundamental na constituição da burguesia, da cultura do
burgo, da cidade. (pag162)
A teatralização do patrimônio é o esforço para simular
que há uma origem, uma substancia fundadora, em relação à qual deveríamos atuar
hoje. Essa é a base das políticas culturais autoritárias. (pag162)
O fundamento "filosófico" do tradicionalismo se
resume na certeza de que há uma coincidência ontológica entre realidade e
representação, entre a sociedade e as coleções de símbolos que a representam.
(pag163)
O que se define como patrimônio e identidade pretende
ser o reflexo fiel da essência nacional. Daí que sua principal atuação
dramática seja a comemoração em massa...(pag163)
Lugares históricos e praças, palácios e igrejas, servem de
palco para representar o destino nacional, traçado desde a origem dos tempos.
Os políticos e os sacerdotes são os atores vicários desse drama. (pag163)
Para o conservadorismo patrimonialista, o fim último da
cultura é converter-se em natureza. Ser natural como um dom. (pag164)
A essa altura cabe esclarecer que não se nega aqui a
necessidade das cerimônias comemorativas de acontecimentos fundadores,
indispensável em todo grupo para dar densidade e enraizamento histórico a sua
experiência contemporânea. (pag165)
Também não se pretende ignorar o valor dos rituais
escolares, reconhecidos por estudos, para organizar os vínculos entre
professores e alunos, formar consenso sobre as atividades a desenvolver e
realizar as aprendizagens que requerem "mecanização". (pag165-166)
Nos processos sociais, as relações altamente ritualizadas
com um único e excludente patrimônio histórico - nacional ou regional -
dificultam on desempenho em situações mutáveis, as aprendizagens autônomas e a
produção de inovações. (pag166)
... o tradicionalismo substancialista incapacita para viver
no mundo contemporâneo, que se caracteriza, como logo teremos oportunidade de
analisar, por sua heterogeneidade, mobilidade e desterritorialização. (pag166)
Frente à impotência para enfrentar os desordens sociais, o
empobrecimento econômico e os desafios tecnológicos, frente à dificuldade para
entendê-los, a evocação de tempos remotos reinstala na vida contemporânea
arcaísmo que a modernidade havia substituído. (pag166)
São possíveis os museus nacionais depois
da crise do nacionalismo?
O museu é a sede cerimonial do patrimônio, o lugar em que é
guardado e celebrado, onde se reproduz o regime semiótico com que os grupos
hegemônicos o organizaram. (pag169)
Os museus, como meios de comunicação em massa, podem
desempenhar um papel significativo na democratização da cultura e na mudança do
conceito de cultura. (pag169)
Em alguns países que conseguiram construir bons museus de
história e arte - Brasil, Colômbia, Venezuela - Grande parte deles pertence a
bancos, fundações e associações não-estatais. (pag172)
Servem mais como conservadores de uma pequena porção do
patrimônio, como recurso de promoção turística e publicidade de empresas
privadas, do que como formadores de uma cultura visual coletiva. (pag172)
... o México, pela orientação nacionalista de sua
política pós-revolucionária, foi o que mais se ocupou em expandir a
cultura visual, preservar seu patrimônio e integrá-lo em um sistema de museus,
centros arqueológicos e históricos. (pag172)
A partir dos anos 50, quando se institucionalizou a
revolução e as correntes modernizadoras se impuseram na política
governamental, o patrimônio foi organizado em museus diferenciados. (pag172)
A fim de criar espaços próprios de exibição e consagração
para cada setor surgiu uma complexa rede de museus que se multiplicam a cada
seis anos e constituem, junto com a escola e os meios de comunicação de massa,
os cenários para classificação e valorização dos bens culturais. (pag172)
A fim de entender as estratégicas com que os particulares e
o Estado põem em cena o patrimônio cultural, analisaremos dois casos dois casos
representativos das políticas museográficas desenvolvidas do México: (pag177)
- estetização do patrimônio: Museu de Arte Pré-hispânica
Rufino Tamayo, de Oaxaca;
- ritualização histórica e antropológica: Museu Nacional de
Antropologia;
Nos museus nacionais o repertório quase sempre é decidido
pela convergência da política do Estado e do saber dos cientistas sociais. Raras
vezes os produtores da cultura que é exibida podem intervir. (pag188)
E o público? É convocado quase sempre como espectador.
(pag188)
Para que servem os ritos: identidade e discriminação
“Os mitos nacionais não são um reflexo das condições em que
vive a grande maioria do povo”, mas o produto de operações de seleção e “transposição”
de fatos e traços escolhidos conforme os projetos de legitimação do conceito de
patrimônio. [Roger Bartra] (pag190)
J: é importante definir:
Ter uma identidade seria, antes de mais nada, ter um
país, uma cidade ou um bairro, uma entidade em que tudo o que é
compartilhado pelos que habitam esse lugar se tornasse idêntico ou intercambiável.
(pag190)
Nesses territórios a identidade é posta em cena, celebrada
nas festas e dramatizada também nos rituais cotidianos. (pag190)
Uma vez recuperado o patrimônio ou ao menos uma parte
fundamental dele, a relação com o território volta a ser como antes: uma
relação natural. (pag190/191)
Por isso as coleções patrimoniais são necessárias, as
comemorações renovam a solidariedade afetiva, os monumentos e museus já
justificam como lugares onde se reproduz o sentido que encontramos ao viver
juntos. (pag191)
A história de todas as sociedades mostra os ritos como
dispositivos para neutralizar a heterogeneidade, reproduzir autoritariamente a
ordem e as diferenças sociais. (pag192)
Rumo a uma teoria social do patrimônio
As evidências de que o patrimônio histórico é um dos
cenários fundamentais para a produção do valor, da identidade e da distinção
dos setores hegemônicos modernos surgem recorrer a teorias sociais que pensaram
essas questões de um modo menos complacente. (pag194)
Se considerarmos os usos do patrimônio a partir dos estudos
sobre reprodução cultural e desigualdade social, vemos que os bens reunidos na
história por cada sociedade não pertencem realmente a todos, mesmo que formalmente
pareçam ser de todos e estejam disponíveis para que todos os usem. (pag194)
Essa capacidade diferenciada de relacionar-se com o patrimônio
se origina, em primeiro lugar, na maneira desigual pela qual os grupos sociais
participam de sua formação e manutenção. (pag194)
Não há evidência mais óbvia que o predomínio numérico de
antigos edifícios militares e religiosos em toda a América, enquanto a
arquitetura popular se extinguia ou era substituída, em parte por sua precariedade,
em parte porque não tinha recebido os mesmos cuidados em sua conservação. (pag194)
Os produtos gerados pelas classes populares costumam ser
mais representativos da história local e mais adequados às necessidades
presentes do grupo que os fabrica. Constituem, nesse sentido, seu patrimônio.
(pag196)
A redistribuição maciça dos bens simbólicos tradicionais
pelos canais eletrodomésticos de comunicação gera interações mais fluidas entre
o culto e o popular, o tradicional e o moderno. (pag197)
J: ex: os canais de comunicação que exibem programas pelo
qual conseguimos nos conectar com diversas partes do mundo, e demais culturas.
Museu virtual é um exemplo bem
especifico, é como se para algumas pessoas,
torna-se desnecessário ir vê-los.
As políticas culturais menos eficazes são as que aferram ao
arco e ignoram o emergente, porque não conseguem articular a recuperação da
densidade histórica com os significados recentes gerados pelas práticas
inovadoras na produção e no consumo. (pag198)
Existem objetos e práticas que merecem ser especialmente
valorizadas porque representam descobertas para o saber, inovações formais e sensíveis,
ou acontecimentos fundadores na história de um povo. (pag200)
Mas esse reconhecimento não tem por que levar a fazer do “autêntico”
o núcleo de uma concepção arcaizante da sociedade e pretender que os museus,
como templos ou parque nacionais do espírito, sejam guardiães da “verdadeira
cultura”, refúgio frente à adulteração que nos afligiria na sociedade de massa.
(pag200)
... é produto de uma encarnação, na qual se escolhe e se
adapta o que vai ser representado, de acordo com o que os receptores podem
escutar, ver e compreender. (pag201)
Um testemunho ou um objeto podem ser mais verossímeis, e
portanto significativos, para aqueles que se relacionam com ele questionando qual
seu sentido atual. (pag201)
... um objeto original pode ocultar o sentido que teve
porque esta descontextualizado, teve cortado o seu vínculo com a dança ou com a
comida na qual era usado, e foi-lhe atribuída uma autonomia, inexistente a seus
primeiros detentores. (pag201)
REFERENCIAS
García Canclini, Néstor. Culturas híbridas:estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Edusp, 1997. P. 159-204: O porvir do passado.
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