quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

SEMINÁRIO: A problemática da identidade cultural nos museus: de objetivo a objeto [ aula referente ao dia 14 de novembro]



Ulpiano T. Bezerra de Meneses.
Uma obre de Ulpiano T. Bezerra de Meneses. Aula destinada a recuperação daqueles alunos que não se mencionaram no primeiro seminário. Segue abaixo alguns dos apontamentos que julguei importante mencionar aqui no blog, a respeito do texto estudado:

Identidade: uma noção problemática 
...  a identidade pressupõe, antes de mais nada, semelhanças consigo mesmo, como condição de vida biológica, psíquica e social. Ela tem a ver mais com os processos de reconhecimento do que de conhecimento. Assim, os conteúdos novos não são facilmente absorvidos quando a identidade está em causa, pois o novo representa, aí, descontinuidade do referencial, logo, ameaça, risco. (pag208)

Além do mais é preciso salientar seus compromissos na construção de imagens, campo fértil para a mobilização ideológica e as funções de legitimação em que determinadas práticas obtêm aceitação social. Assim, p.ex., a identidade pessoal é indispensável como suporte de status. A imagem que o
indivíduo faz de si mesmo será utilizada para justificar ou reclamar uma certa  partilha de direitos e obrigações. Por isso, ela só terá eficácia se obtiver convalidação externa, se houver aceitação social. (pag209)

...a visão simplista com que se tem tratado no campo cultural a questão da identidade encobre graves problemas... (pag209)

Identidade, semelhança, diferença 
Se a identidade tem como foco a semelhança, ela produz, em contrapartida, a diferença: a afirmação de semelhança necessita da oposição do que não é semelhante. (pag209)

...não se precisam as diferenças apenas para fins de conhecimento, mas para fundamentar defesas e privilégios... (pag209)

Identidade e dinâmica sócio-cultural 
A identidade não é, pois, fruto do isolamento de sociedades ou grupos mas, pelo contrário, de suo interação. Ela é crucial quando existem segmentos sociais que não se pensam como totalidades únicos (Carvalho 1983:20). (pag210)

Além disso, a identidade se fundamenta no presente, nas necessidades presentes, ainda que faço apelo 00 passado - mas é um passado também ele construído e reconstruído no presente, paro atender aos reclamos do presente. (pag210)

Identidade e segmentação social
Se se ignorar o que dizem os ciências sociais sobre a diferenciação social nos sociedades complexas, corre-se o risco de falar de identidade cristalizada, no singular - ilusório, portanto, já que desconhece os segmentos sociais, sobretudo os próprios classes sociais. Isto não quer dizer que deva sempre existir uma correspondência entre uma classe social e uma imagem de identidade específica. Nem que a identidade da classe dominante seja a identidade dominante, mecanicamente (Chesko 1992:45). (pag 210/211)

Em decorrência, na contracultura a identidade se afirma sobretudo pelo estilo, aglutina-se na revolta, na recusa, na contraposição. Fenômenos como esses não podem ser ignorados na compreensão da identidade. (pag211)

Os museus e o problema da identidade sócio-cultural 
Em suma, os museus dispõem de um referencial sensorial importantíssimo, constituindo, por isso mesmo, terreno fértil para as manipulações das identidades. Seria ocioso lembrar com que facilidade certos objetos se transformam em catalisadores e difusores de sentidos e aspirações: da cruz do cristianismo aos uniformes militares, passando pelas bandeiras nacionais e pelos emblemas publicitários. Tratase, efetivamente, de fetiches de identidade, de alto poder de comunicação. (pag211/212)

Território das identidades, os museus são pois percebidos como recurso estratégico a seu serviço. (pag212)

Escusado dizer que, a fim de alimentar a imagem da nação, o museu alimenta também suas reivindicações - melhor dizendo, menos as reivindicações da sociedade, que as do estado e seus suportes. Essa operação impõe que se eliminem as diversidades e tensões e que se reduza toda uma realidade complexa e dinâmica a um referencial fixo, simples, dotado da capacidade de captar algo como uma substância permanente, uma essência imune a mudanças e que se torna visível no "típico". (pag212)

No museu, o risco é que uma exposição, por exemplo, se transforme em apresentação de coisas, das quais se podem inferir paradigmas de valores para os comportamentos humanos e não na discussão de como os comportamentos humanos produzem e utilizam coisas com as quais eles próprios se explicam. (pag212)

No entanto, o que se quis ressaltar foi apenas o caráter problemático das questões da identidade, caráter de que o museu ainda não tomou consciência profunda, mormente nas implicações para as práticas museológicas. Não é possível minimizar a necessidade dos processos de identidade, que constituem, como se disse no início, requisito essencial de vida biológica, psíquica e social. Todavia, as múltiplas dimensões do fenômeno é que não podem ser perdidas de vista. Em outras palavras, o que se deve propor é que os museus tenham sempre e obrigatoriamente uma postura crítica em relação à problemática da identidade. (pag213)

Museus e identidades: premissas para uma postura crítica 
Numa tipologia sumária, podem-se distinguir três níveis principais de amplitude na atuação dos museus: o universal, o nacional e o local/regional. O primeiro, por certo, se apresenta como distante do viés ideológico da identidade. Isto, porém, está longe de ser verdadeiro, embora, no caso, tal viés seja menos articulado e aparente. (pag213)

Já o museu de horizontes nacionais é o que maior risco corre, em particular por sua necessidade de dar conta de uma suposta totalidade, a nação. Ocorre, assim, comumente, que ele passe a privilegiar o estereótipo (ver Dundes 1983:250ss.), por sua capacidade de expressar a quintessência do típico: roupas, alimentos, armas, utensílios, objetos domésticos, de aparato e cerimoniais, equipamentos, imagens e situações, tudo se organiza disciplinadamente e a diversidade apenas dá mais cor ao núcleo estável da identidade nacional. (pag 213)

O museu local! regional seria aquele em que os processos de identidade encontrariam o espaço mais aceitável de expansão. Entretanto, não há por que excluí-Iosdos riscos. Não há, em nossa sociedade, realidade regional/ local que seja homogênea e estática. Daí o perigo de tais museus exercerem papéis compensatórios de refúgio para simbolicamente "recuperarem" uma unidade perdida ou (o que é pior) de espelhos em que narcisisticamente se procure a devolução da imagem que já tinha sido atribuída a si próprio - e que agora retoma sedutora, pronta a se transformar num termômetro com o qual se mede (etnocêntricamente) toda a realidade. (pag214)

...deve-se irao museus para interrogar e se interrogar, não para buscar respostas já concluídas. (pag214)

A identidade e a prática dos museus
Uma das linhas é a da "desmusealização" dos acervos. (pag214)

Refiro-me,porém, em especial, à reapropriação de peças para usos não museológicos. (pag215)

Outra modalidade é a cessão do acervo e local para cerimônias ou situações de práticas originais... (pag215)

A incorporação, para projetos comuns, de minorias ou representantes daqueles grupos que definem os horizontes a serem cobertos pelos 216 museus, é outra linha em curso. Predomina nos museus antropológicos, mas está presente também em museus de outra tipologia, como os de arte contemporânea (cf. Karp & Lavine,orgs. 1991; Ames 1990). (pag215/216)

Nessa ótica é que minorias "documentadas" em museus passaram a exigir que não só a formação de coleções e a organização de exposições e outras atividades contassem com a assessoria e colaboração de seus representantes, mas que toda a gestão institucional fosse de sua exclusiva responsabilidade. (pag216)

Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que elas expressam saudáveis reivindicações políticas e, com isso, acentuam a dimensão social do museu, projetando luz sobre questões que permaneceram durante muito tempo numa injustificável inconsciência. Contudo, os efeitos colaterais podem ser tão danosos quanto os do mal que se queria combater: as experiências acima lembradas não são eficazes para resolver, no museu, o inevitável confronto com o "outro", o conhecimento e a aceitação da alteridade, embora removam algumas formas repressoras da alteridade. (pag216)

A História começou a preocupar~se tardiamente com o problema do "outro". Hoje, todavia, a disposição de dar voz aos silentes e excluídos tem provocado uma fragmentação generalizada, que corre o risco de atomizar o campo da disciplina. (pag217)

Paralela a estas questões é a da memória que, pelas mesmas motivações sociais (e políticas) já se propôs como equivalente à História. Hoje, parece-me aceito que a História não deva ser o duplo científico da memória, o historiador não possa abandonar sua função crítica e a memória precise ser tratada como objeto da História (Meneses 1992). (pag217)

A Antropologia, por tratar de um "outro" predomif1antemente vivo, tem contribuição mais rica a fazer... (pag217)

Paralelamente, no terreno museológico, Edwina Taborsky (1990), examinando as limitações do paradigma observacional do conhecimento, propõe a predominância do objeto discursivo para a organização dos enunciados que o museu produz, na exposição. (pag218)

Por isso{é que tem sentido encerrar este texto apenas salientando duas questões seminais, que encaminho para a necessária e urgente reflexão ainda por fazer.(pag218)

A primeira diz respeito ao caráter contingente que deve assumir a exposição, tal como lima monografia, em que estão à mão do leitor todas as cartas que o autor utilizou - e que poderão ser, assim avaliadas. Como introduzir museograficamente tal postura? Como, com os próprios sentidos que a exposição propõe, exibir museograficamente o processo de sua produção? (pag218)

A segunda questão: a perspectiva discursiva acima apontada como conveniente à exposição implica que a problemática da identidade e da alteridade... (pag218)

REFERENCIAS
MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A problemática da identidade cultural nos museus: de objetivo (de ação) a objeto (de conhecimento). Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, NS n.1, p. 207-222, 1993.


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